Observo algumas coisas, como horizontes distantes e cada vez que eu olho percebo o quão distante parecem ser; então vem aquele sentimento de tristeza, me devorando por dentro como ácido, corroendo as minhas esperanças de futuro. Tento acreditar que algo vai se mover e deixo então nas mãos do destino, mesmo assim um gosto amargo me abarca e a sensação de algo inalcançável persiste…
Oh, mundo que precisa enxergar o sangue para perceber a dor, que se feriu, que infringiu a outrem um mal perverso…
Sensação de vingança, luta, revolta, indignação, passividade, frustração. Mas o que me guia é a sede de justiça, o enfrentamento, a adrenalina correndo nas minhas veias. Não. Nunca vou desistir, pois enquanto eu vejo braços cruzados e julgamentos, ouço o clamor mudo de quem não tem coragem, da mente pequena e do conformismo.
Estou pronto, sem armas e sem escudo mas, tenho minha voz e sigo para o campo de batalha. Vejo meus aliados e aqueles que se colocaram como meus inimigos. A voz da liberdade soou, mas eles virão nos calar, com ameaças dos que se dizem “mantenedores da ordem” mas, a marcha continua e o confronto é inevitável, eles querem nos parar, mas dominados por tantos clamores e pela sensação de união, sabemos que temos forças ao nosso lado que compartilham do mesmo desejo de mudança, isso me alavanca e todos continuam o cortejo para o empate.
Era esperado, porém, não importa, nem por um segundo importou, os que se proclamaram nossos inimigos; eles atacam, munidos de suas justificativas mascaradas. Começa o confronto, armas contra mão estendidas, xingamentos contra gritos de liberdade, bradamos por mudanças! A dor da carne, tiros e bombas, gritos de desespero! Por que estão nos batendo como cães sarnentos se queremos apenas sermos ouvidos, mostrar o que nos indigna? Não é sabido que a violência gera mais selvageria, contaminando todos como uma doença, apenas para revidar e revidar, nos aprisionando em um círculo onde nenhumas das partes ficam satisfeitas? Desperta em nós “seres humanos” o nosso lado primitivo, a irracionalidade nos domina, e não importa mais se luto com minhas mãos contra uma arma, se minha pele fica marcada por tiros covardes, justificados para manter uma falsa paz. Não importa se meu sangue escorre enquanto corro para me salvar, quero proteger meus amigos desnorteados em meio à confusão. Suor. Meu amigo chora enquanto diz que também foi espancado e seu braço pulsa como um coração no local onde um tiro o atingiu. Ao olhar sua expressão noto que suas lágrimas não são apenas de dor mas, de raiva, de repulsa. Ele queria gritar sua indignação mas, como todos, fora forçado a se calar. Ele não conseguia compreender por que a plateia que assistia virava o rosto e se alegrava ao ver que ele era espancado e ferido. O velho sadismo mórbido.
A confusão estava formada, descontrolada, pessoas agiam como animais, rangendo os dentes. Era o ápice de tudo, o olho do furacão, bombas de gás explodiam em nosso meio, sufocando nossas gargantas, queimando nossa voz. Nossos inimigos declarados nos cercaram, pessoas desmaiavam e corremos para socorrer porém, éramos represados pelos “Guardas da Ordem”. Tiros perpassavam e nos atingiam, nosso sangue derramava e manchava a rua. Olhei em volta e senti meu coração pesar, quem estava certo? O que viemos mesmo fazer aqui? Minha cabeça estava confusa, seria o gás que sufocava, embaralhava meus pensamentos ou a dor das fissuras das balas em minha pele, agora em carne viva, vermelho e roxo; onde estava a força da nossa voz? Calada, gritos desconexos, ações insanas dos nossos e deles, fora de controle, alguns perderam o foco, mas não os culpo, pois não se pode ser totalmente racional em uma guerra. “Nenhuma luta é em vão”, parecia a frase mais piegas para dizer naquele momento em que o mundo estava literalmente acabando. Sorri em uma mistura de tosse, o gás ainda pairava no ar.
Os ânimos foram se acalmando tanto do nosso quando do deles; dispersávamos lentamente e Eles nos olhava de soslaio, não estávamos fugindo, nosso recado já havia sido dado. Arqueamos nossa bandeira, xingamos até ficarmos roucos, gritando aos quatro ventos, não recuamos; enfrentamos de frente, extasiados pela sensação de remar em sentido contrario, a insatisfação é nosso combustível. A mudança começa com a luta, a ação refletida das nossas convicções, mas o mundo que criamos está preparado para ouvir a verdade, os anseios e desejos pessoais prevalecem ao desejo do todo. Será que hoje começamos a criar um novo mundo? Plantamos uma semente num solo de asfalto, ou um degrau para algo maior, ou até mesmo quando toda essa histeria acabar vamos nos lamentar das nossas ações… Isso só o tempo vai dizer, passei a mão em minha mochila e senti os furos em quase toda a cobertura, ela foi meu escudo com certeza. Olhei para a minha amiga que havia se sentado na calçada suja, ela olhava para a fumaça que ainda subia, parecia pensativa e estava intacta, mesmo estando no olho do furacão tempo suficiente para ser destroçada. Estava perfeita, até parecia sorrir. Já meu melhor amigo era o oposto, seu braço sangrava bastante, contudo não se importava com ferimento. Estávamos saciados por enquanto, agora éramos Anônimos que voltavam para casa depois de uma dose de revolução.
A. C. Fagundes